Wednesday, December 27, 2006

Linha do Tua – 100 Anos de um Sonho

Linha do Tua – 100 An os de um Sonho
“O comboio vai a subir a serra, parece que
vai, mas não vai parar! Sempre a assobiar
vai de terra em terra, dê por onde der
quero lá chegar!”

Este trecho de uma canção dedicada
à Linha do Sabor assenta tão bem ou
melhor à Linha do Tua.
Esta linha única, que tantos turistas estrangeiros
visitam mas que tantos portugueses
desconhecem, teve o seu início
nos primórdios dos caminhos-de-ferro
em Portugal. Com o avanço do comboio
pelo vale do Rio Douro, na linha que ligaria
o Porto a Salamanca, o projecto de
ligar a capital distrital, Bragança, à malha
ferroviária nacional, rápido ganhou forma.
O ponto de contacto seria na Foz do
Rio Tua, na pequena aldeia do extremo
Sul do Nordeste Trasmontano. Porém,
do querer ao poder, parecia haver uma
intangível distância, pois apesar de, no
caso da Linha do Douro, os vales dos
seus afluentes constituírem o melhor
caminho para a construção dos ramais
ferroviários, nem por isso significava que
tal caminho seria fácil de desbravar. E de
todos os afluentes, nenhum seria mais
difícil que o Tua…
Depois do processo burocrático começado
em 1878 com a apresentação de
dois projectos distintos, cada um por
uma margem diferente do Tua, surge em
1884 a adjudicação da obra, em 26 de
Maio, e o arranque dos trabalhos, em 16
de Outubro. Estava finalmente lançada
uma linha que moldaria os contornos do
Nordeste de forma indelével.
A dificuldade da obra reclamou em pou
co tempo um engenheiro intrépido,
que teria não só de dirigir os trabalhos,
mas de controlar uma força de trabalho
conflituosa, onde não faltaram alguns
perigosos ladrões. O açoriano Dinis da
Mota notabilizou-se nesta obra ímpar,
onde apenas nos primeiros 14Km foram
necessários quatro túneis e três pontes,
além de incontáveis muros e paredões,
erguidos e esculpidos com força manual
em escarpas isoladas e rochedos ciclópicos
que caem quase a pique num rio de
rápidos impiedosos. A 27 de Setembro
estavam concluídos os 54Km que unem
as estações do Tua e Mirandela, com a
solene inauguração que contou com a
presença d’El-Rei D. Luís I na estação mirandelense.
Os comboios não prosseguiram de imediato
para Bragança. O desinteresse e
a dificuldade em se definir um traçado
minaram e atrasaram o reatar das obras,
que chegaram a contemplar uma liga-
ção às minas do concelho de Vimioso,
até Miranda do Douro, onde entroncaria
na ainda embrionária Linha do Sabor.
Depois de ultrapassadas algumas dificuldades,
as obras arrancaram em 1905,
para mais 80Km de via-férrea que conduziriam
o comboio a Bragança.
Esta fase da Linha do Tua pode não ter
encerrado a espectacularidade dos seus
primeiros quilómetros, mas é sem dúvida
a mais apaixonante e acolhedora.
Nela se encerram a maior ponte (Assureira)
e o maior túnel (Arufe) da linha, e
ainda a particularidade de ter a estação
portuguesa mais alta, Rossas, nos 850m
de altitude. A sua abertura à exploração
foi faseada, começando no Romeu (2 de
Agosto 1905), Macedo de Cavaleiros (15
de Outubro 1905), Sendas (18 de Dezembro
de 1905), Rossas (14 de Agosto 1906),
e finalmente Bragança (1 de Dezembro
1906). A áurea legendária desta linha irá
engrandecer-se com duas tragédias pessoais,
já que o empreiteiro João da Cruz
faliu com o seu esforço na construção da
via, e o Governador Abílio Beça, que tanto
lutou para que o comboio chegasse à
capital distrital, foi trucidado pelo mesmo
na estação de Salsas.
A linha entrava em Mirandela, e prosseguia
caminho por uma das zonas mais
planas que o traçado encontrava, até ultrapassar
a Ponte da Assureira, antes da
qual se podia apreciar ao longe a dura
escalada que teria de fazer após o Romeu,
até atingir as cercanias de Macedo
de Cavaleiros. Já nessa isolada e tortuosa
escalada, começava-se a vislumbrar a
Serra de Bornes, que permaneceria no
horizonte por muitos mais quilómetros,
até a linha atingir Rossas. Depois de ter
abandonado o Tua em Mirandela, a linha
só conheceria um curso de água de mais
importância, o Azibo, represado muitos
anos após a chegada do comboio.
Os espaços começavam a alargar-se à
medida que o comboio ia escalando, e,
depois de contornado um cabeço perto
de Salsas, atingida a cota máxima
de 850m, a altaneira Serra da Nogueira
surgia como um gigante adormecido, e
com ela o traçado sinuoso que conduziria
à Mosca, e à descida final até Bragança.
Ora escondida, ora cruzando a
Estrada Nacional 15, onde comboios e
carros mediam forças, a via-férrea ultrapassava
mais dois grandes túneis e uma
ponte inserida num aprazível vale, ainda
hoje visível da via rápida (IP4). Atingida
a Mosca, o olhar tocava finalmente o
castelo e o casario Brigantino, que se alcançava
depois de uma descida de quase
8Km, até à década de 1960 por onde
corre hoje a central Avenida Sá Carneiro,
e posteriormente contornando a cidade
pelo Norte. De notar que a estação de
Bragança não é uma estação de topo,
uma vez que o términus definitivo da Linha
do Tua seria em Castela – Leão, na
estação da Puebla de Sanábria, objectivo
que lhe daria um sentido mais forte,
infelizmente nunca atingido. Ainda hoje
a estação parece contemplar a Serra de
Montesinho como se esperasse que das
suas vertentes chegasse o comboio.
A paciente história de paixões, tragédias
e pequenos nadas do dia a dia de que se
compôs a linha entre Mirandela e Bragança
durou 86 anos, quando em 1992
o Estado Português a encerrou, num
processo atribulado e incoerente, sendo
a única de entre as demais encerradas
onde o povo saiu à rua e literalmente lutou
contra o retirar do material circulante.
Depois de ter ajudado Trás-os-Montes
a desenvolver-se durante quase um
século, a linha jaz em silêncio e abandono
entre Mirandela e Bragança, com várias
estações devolutas e vandalizadas,
excepção feita às de Bragança, Sortes,
Rossas e Salsas, recuperadas e cheias de
vida. Nenhum projecto forte de regresso
do comboio surgiu para as linhas como a
do Tua, a não ser o do Metro de Mirandela,
que aproveitou 4Km da via encerrada,
fazendo regressar o comboio por onde
nunca este deveria ter deixado de passar.
De Mirandela a Macedo, duas cidades
sede de concelho, dista pela ferrovia
apenas 29Km, mas ainda ninguém surgiu
com a vontade de reatar as ligações
ferroviárias entre as duas urbes.
Não bastando esta situação, o Estado
quer ainda construir uma barragem na
foz do Tua que – teme-se – submergirá
a via-férrea, desde o Tua até vários quiló-
metros a montante. A realizar-se tal obra
tão desprovida de sentido, o distrito de
Bragança, que no seu auge contava com
239Km de Vias Estreitas, ver-se-á reduzido
aos 4Km explorados pelo Metro
de Mirandela, perdendo-se a ligação à
restante rede nacional. Mesmo havendo
um projecto alternativo de mini-hídricas,
e depois do interesse de várias câmaras
na formação de uma empresa multicamarária
para a gestão da linha, a Comboios
do Tua, o futuro da Linha do Tua
parece incerto e pouco risonho. Apesar
das várias visitas de turistas, dos elogios
tecidos pela Europa fora, do epíteto de
Linha alpina de Portugal, e da importância
para milhares de passageiros anuais,
o desinteresse cego dos sucessivos Governos
quer votá-la ao silêncio definitivo.
Existe quem por ela pugna, e manifesta
todo o interesse pela sua continuação,
reactivação e alargamento à rede ferroviária
espanhola. Mesmo todas as vozes
juntas são ainda poucas, sendo por isso
importante despertar as consciências
para este problema que passa aparentemente
despercebido. E, no fim de tudo,
seria para a Linha do Tua e para os Trasmontanos,
uma péssima prenda de centenário.

Daniel Conde

O Comboio em Portugal
Departamento de Informática
Universidade do Minho
Campus de Gualtar
4710-057 BRAGA
Telefone: 253.604457
Fax: 253.604471
http://ocomboio.net

1 comment:

Daniel Conde said...

Olá viva, daqui fala Daniel Conde. Sou passageiro da Linha do Tua desde 1994, e sendo oriundo de Vinhais nunca pude usufruir do comboio além Mirandela até Bragança...

Desde os 11 anos que escrevo, fotografo, e divulgo esta obra máxima da engenharia portuguesa, património maior dos trasmontanos, que tantas vezes é desprezado pelo Governo.

A Linha do Tua faz este ano 120 anos, poucos meses dos 100 anos da chegada do comboio a Bragança. No entanto, o que há para celebrar?

Muito pouco. A altura é de luta, a altura é de discussão, a altura é de união. TODOS os trasmontanos deveriam estar nesta luta, e todos os portugueses em geral, contra o despotismo do capital (e isto não são palavras da praxe de esquerda, eu não tenho nenhuma preferência política...), contra a negligência do património, contra a delapidação dos nossos direitos.

VIVA A LINHA DO TUA!!!